Quando era pequena, logo após de
nos mudarmos do Rio de Janeiro para Fortaleza e irmos morar com minha vó Vilani,
escrevi uma pequena redação contando sobre a minha família. Nesse pequeno texto
dizia como era cada membro da nossa família que morava na casa da vó. Falei
como era meu pai, minha mãe, minha irmã e ao falar sobre minha avó disse “minha
vó é livre como um passarinho”. De toda a redação, a única parte que nos salta
da memória é essa.
Minha avó era uma pessoa
incrível. Tinha o coração do tamanho do oceano. Todos quem amava cabiam lá.
Dizia que sempre estava bem e não guardava magoa de ninguém. Estava sempre
disposta a ajudar com um conselho, um texto de lição de vida, um de seus
crochês ou fazendo um quitute dos mais gostosos. Ensinava de maneira primorosa
e sempre com muita atenção. Fazia suas orações e rezava o terço sempre antes de
dormir, ‘para não enganar o santo’. Ao acordar, sentava-se na cadeira da mesa e
de lá administrava toda a casa, quem saía, quem entrava, o que comia, o que
assistia. Mesmo com a audição ruim, prestava atenção em tudo e sempre dizia que
a única coisa que não se podia tomar de nós era o conhecimento. Por isso,
estava sempre estudando, fazendo seus simulados, aqueles mesmos que via no
jornal. Seu último interesse foi que queria aprender inglês e estava guardando
os fascículos que vinham todo domingo no jornal. Da televisão, assistia aos
programas de culinária, de música e as novelas, até que ficaram muito malvadas
e não quis mais assistir. Nunca perdia uma chance de passear. Ia ao cinema e
teatro, até para simplesmente dormir a sessão inteira. Ao passear pela cidade,
contava quem morou em tal rua, quem nasceu em tal rua, que passou quatro anos
numa casa sem água encanada e como a cidade tinha crescido. Que ela não sabia
mais andar pela cidade. Muitas vezes, ouvíamos as belas melodias que saiam de
seus treinos ao piano e cantorias. Gostava de poesia e tinha anotado em seu
caderno todas as músicas que mais gostava, assim como suas contas do mês para
pagar e receber. Gostava de receber visitas e fazer um café. Guardava tudo e
tinha uma memória impecável. No seu guarda-roupa, cabia muitas histórias,
pertences e milhares de livrinhos de orações. Também uma parte de achados e
perdidos. Minha avó era única e ao mesmo tempo estava em todos os lugares,
desde a França até o seu quarto. E sua maior satisfação era ser capaz de cuidar
da gente.
Foi com minha avó que aprendi a
acreditar na escolha da vida. Do perdão ser maior que o erro. Da gentileza
superar todas as armadilhas do cotidiano. Da paz ser maior que qualquer briga.
Da persistência ser a melhor escolha antes do arrependimento. Não acredito
muito na previsão de vida, mas aquela redação feita há muitos anos nos trouxe
apenas uma certeza no dia de hoje. Que agora, sim, minha avó é livre como um
passarinho.
Um beijo, vó. E boa noite.
Por sua neta Ana Luiza
Menezes Moura